Educação Espírita – Infância e Juventude
-Walter Oliveira Alves-
A CRIANÇA
A criança é o Espírito imortal que ora reinicia a sua aprendizagem no mundo, trazendo consigo, ao renascer, sua bagagem de experiências multimilenares, mas carregando também, em si mesma, o germe de seu aperfeiçoamento.
Seu objetivo na Terra: evoluir, desenvolver suas potencialidades interiores, compreendendo a si mesma e o mundo que a cerca, corrigir os erros cometidos no passado, superar os próprios defeitos, desenvolvendo assim, gradativamente, o germe da perfeição, que carrega em si mesma como herança Divina.
Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz de sua existência anterior. À medida que os órgãos se desenvolvem, gradualmente sua bagagem interior começa a se manifestar.
“O Espírito se encarnando para se aperfeiçoar é mais acessível, durante esse período, às impressões que recebe e que podem ajudar o seu adiantamento, para o qual devem contribuir aqueles que estão encarregados da sua educação.” (O Livro dos Espíritos, questão 383).
ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE
Se a partir do nascimento suas ideias retomam gradualmente impulso, a uma certa idade, particularmente ao sair da adolescência, o Espírito deve retomar sua natureza, tal qual era.
“De onde provém a mudança que se opera no caráter, a uma certa idade, e particularmente ao sair da adolescência? É o Espírito que se modifica? R. – É o Espírito que retoma sua natureza e se mostra como ele era.” (O Livro dos Espíritos – questão 385).
Se o Espírito não se preparou durante o período infantil, os impulsos do passado retomam em toda a sua força, podendo, muitas vezes, arrastar o Espírito aos mesmos erros do passado. A ação educativa se torna mais difícil e, não raras vezes, somente o sofrimento, em longos processos de reajustes, conduzirá esse Espírito aos caminhos do bem.
A ação educativa, sabiamente aplicada na infância, oferecerá ao Espírito reencarnado a oportunidade de desenvolver suas qualidades interiores, sentimentos superiores, noções nobres, ideais elevados, para que esse Espírito possa saber lidar com os impulsos que vão surgindo e outros que somente surgirão mais tarde.
Claríssima está a importância de o Espírito atingir a mocidade preparado intelectual e moralmente. Importantíssimo esse Espírito manter o vínculo com outros jovens, em clima de estudo, troca de ideias e vibrações elevadas.
Que outras experiências e reajustes aguardam o Espírito após a juventude? Que outras experiências o aguardam aos 40, 50 ou 60 anos? Desde tenra infância à velhice, a existência planetária oferece ao Espírito oportunidades valiosas de aprendizado e aperfeiçoamento. Mas, sem dúvida, a fase mais propícia é a infantil.
Mas onde encontrar as bases para a verdadeira educação, a educação do Espírito?
***
Era primavera no ano 75.
Ignácio de Antioquia dormia sereno. De repente, entre o pranto e a alegria, viu que uma figura feericamente iluminada se lhe aproximava do coração, como se suas vestes resplandecessem o firmamento das estrelas do Infinito. Não teve dúvidas em reconhecer a presença do Mestre adorado, acenando ao longe.
Instintivamente, jogou-se de joelhos aos pés do Senhor, que levou as mãos abnegadas à cabeleira espessa de Ignácio.
Com voz branda e compassiva, Jesus lhe disse apenas:
“– Ignácio, lembra-te de que disse aos meus discípulos para que deixassem vir a mim as criancinhas!”
A inesquecível visão se desfez junto às brumas da madrugada. Ao pé da relva umedecida do sereno da manhã, Ignácio acordou, em convulsivo pranto. Cefas assustou-se, acudindo-o pressuroso.
Ignácio o tranquilizou:
“– Cefas, meu filho, Jesus veio nos dar a sua bênção misericordiosa, instruindo-nos no caminho a seguir. De hoje em diante, nos devotaremos à evangelização da criança para o Cristo. Apollônia Pôntica vai marcar o início de novas atividades com Jesus. Haveremos de encontrar corações devotados à infância para guiá-la em nome do Mestre, para as bênçãos da Eterna Luz! (…)”
Em Apollônia Pôntica, generosas senhoras se predispuseram ao trabalho de amparar e instruir as criancinhas para as luzes do Evangelho de Jesus. Foi lá que Ignácio e Cefas encontraram uma jovem senhora romana, de nome Blandina, que se destacou pelo devotamento e pelo carinho no amparo aos pequeninos. *
(* Do livro Ignácio de Antioquia, de Theophorus, psicografia de Geraldo L. Neto, ed. Vinha de Luz).
A grande obra de educação da infância e da juventude, à luz do Evangelho de Jesus, nasceu no ano 75, em Apollônia Pôntica, por sugestão do próprio Cristo a Ignácio de Antioquia. Blandina, hoje conhecida como Meimei, foi uma das primeiras evangelizadores da infância de que se tem notícia.
Não há dúvida de que a Educação Espírita tem como base o Evangelho de Jesus e os conhecimentos que a Doutrina Espírita nos apresenta, tais como: a imortalidade da alma, a vida no Mundo Espiritual, a existência de um corpo sutil ou perispírito, a comunicabilidade com os Espíritos, a reencarnação, a lei de causa e efeito, a evolução e, principalmente, a noção de que todos já trazemos em nós mesmos a essência Divina, em estado latente, como a semente já traz, em si mesma, todas as qualidades da árvore em estado germinal. Jesus falava sempre que devemos buscar o Reino de Deus, chegando a afirmar que o Reino está dentro de nós. Tomando de um grão de mostarda, que é uma minúscula semente, afirmou que “O Reino de Deus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e semeou em seu campo. Na verdade, ele é a menor de todas as sementes, mas, depois que cresce, torna-se uma árvore enorme, de sorte que as aves do céu vêm habitar seus ramos “(Mateus 13:31-32 ). Jesus afirmou ainda que ”o que eu faço vocês também o poderão fazer e ainda mais. Sede vós, pois, perfeitos com o vosso Pai é perfeito” (Mateus 5:48).
Em O Livro dos Espíritos, questão 776, temos que “O homem, sendo perfectível, e carregando em si o germe de seu aperfeiçoamento…” – o que demonstra que já trazemos em nós todas as qualidades passíveis de aperfeiçoamento, ou seja, as potências da alma a serem desenvolvidas.
Emmanuel, na obra Pensamento e Vida, afirma, que “duas asas conduzirão o Espírito humano à presença de Deus. Uma chama-se amor, a outra, sabedoria”. Na mesma obra, dedica todo um item para falar da vontade.
Léon Denis, na obra O Problema do Ser, do Destino e da Dor, afirma que são três as potências da alma: o amor, a inteligência e a vontade.
Na área pedagógica, chamamos de aspecto cognitivo (inteligência), aspecto afetivo (sentimento, amor) e aspecto volitivo (vontade).
Pestalozzi, há dois séculos, afirmava que a criança já trazia todas as faculdades da alma em estado germinal, à semelhança da semente que já traz em si as qualidades da árvore.
É pela educação que se deve cultivar harmoniosamente as diferentes faculdades do ser, representadas pelo cérebro, pelo coração e pelas mãos.
O desenvolvimento intelectual está ligado ao cérebro, o desenvolvimento afetivo e moral é simbolizado pelo coração, e a ação, atividade, desejo, vontade de realizar estão representados pelas mãos.
Cada ser já possui, em si mesmo, o germe dessas qualidades, em estado latente. À educação cabe a tarefa de auxiliar o seu desenvolvimento. Mas cada ser também possui, em si mesmo, um impulso, ou ânsia irreprimível de perfeição. O educador deve cultivar esse impulso e fornecer os meios adequados para que esse desenvolvimento ocorra.
No entanto, essas qualidades não se desenvolvem simplesmente com aulas teóricas, mas, sim, com atividades e vivências. Aulas dinâmicas com a participação ativa das crianças.
Nada deve ser ensinado verbalmente antes de a criança ter compreendido o real significado do objeto ou fenômeno. A esse processo, Pestalozzi denominou de Método Intuitivo, que, até hoje, é muito mal interpretado.
Assim, muitas vezes, a aula se iniciava com um passeio pela Natureza, onde a criança se punha a observar, o que incluía olhar, ouvir, tocar, comparar, analisar. Ao mesmo tempo em que observava, surgiam as dúvidas, os “porquês”, que levavam a criança a querer saber, despertando sua vontade de aprender.
Assim, toda a sua mente se punha em atividade, utilizando os conhecimentos que já possuía, para compreender o novo conceito em análise ou a compreensão do fenômeno em seu aspecto global. E, não raras vezes, um fenômeno envolve conhecimentos de varias áreas.
Tudo o mais que for pesquisado em sala de aula estará em consonância com essa busca interna do próprio aluno. Se o professor apenas explicar os fenômenos, mesmo com recursos modernos, estará trabalhando muito mais com a memória do que com o desenvolvimento mental, ou seja, com a capacidade de pensar, raciocinar, buscar novas soluções, etc.
Se o professor fizer as perguntas, o aluno limitará sua busca às respostas àquelas questões.
A genialidade de Pestalozzi estava em levar o aluno a observar os fenômenos à sua volta e incentivá-lo a buscar as respostas às próprias perguntas que surgiriam em sua mente.
Portanto, o termo intuição não pode ser confundido com percepção simplesmente. Não é um ato de simples percepção, mas de trabalho mental, em que o próprio aluno compreende os conceitos, inicialmente através da percepção pelos órgãos dos sentidos, mas que é, ato contínuo, um trabalho de ação mental ou, na moderna linguagem de Piaget, de construção mental. (Vide Pestalozzi, um Romance Pedagógico, do mesmo autor, IDE Editora).
Assim, antes de obter uma definição do professor, ele compreende o conceito em sua essência.
Da mesma forma, o desenvolvimento do amor ou do aspecto afetivo/moral ocorre através da vivência.
“O olho quer ver, o ouvido ouvir, o pé quer andar e a mão agarrar. Da mesma forma, o coração quer crer e amar, e o Espírito quer pensar. Existe, em cada um dos dotes da natureza humana, um impulso que os faz elevar do estado elementar primitivo ao de adaptabilidade e perfeição. O inculto que ainda existe em nós é apenas um germe em estado potencial e não a verdadeira potencialidade.” (Pestalozzi, em O Canto do Cisne).
Citamos Pestalozzi por ser ele, sem dúvida, o maior representante, na teoria e na prática, de uma Pedagogia Espírita. Sua ideias estão inteiramente em sintonia com as noções que aprendemos na Doutrina Espírita. Não foi por acaso tenha sido ele o professor de nosso Allan Kardec.
A educação baseada no despertar dos poderes latentes do Espírito é a que realmente promove o desenvolvimento integral de todas as infinitas possibilidades do Espírito imortal, filho de Deus, e o conduz à autonomia integral, capaz de utilizar a própria vontade para seguir nos caminhos do bem, do belo, do melhor, enfim, no caminho que conduz à perfeição.
Seu maravilhoso trabalho foi completado, mais tarde, por Eurípedes Barsanulfo, ao incluir o ensino da Doutrina Espirita no Colégio Allan Kardec, em Sacramento, Minas Gerais.
É Corina Novelino quem nos fala de Eurípedes, na obra Eurípedes, o Homem e a Missão:
“Na frontal da porta modesta, lia-se Liceu Sacramentano (…) Acrescentara, corajosamente, o ensino da Doutrina Espírita ao currículo, o que suscitara o descontentamento dos pais católicos.“
A maioria levou a Eurípedes a ameaça de retirar os filhos do Liceu, caso mantivesse o Professor a decisão de lecionar Espiritismo.
“– Que retirem os filhos, mas a finalidade salvadora do aprendizado espírita será mantida.”
Um dia, porém, ele se entristecera profundamente. Achava-se abandonado quase, no vazio da sala de aula. Pusera-se a chorar, no silêncio de ardorosa prece. (…)
Eis que uma força superior toma-lhe o braço e, mecanicamente, transmite pequena mensagem, mais ou menos nestes termos:
“Não feche as portas da escola. Apague da tabuleta a denominação Liceu Sacramentano – que é um resquício do orgulho humano. Em substituição coloque o nome – Colégio Allan Kardec. Ensine o Evangelho de meu filho às quartas-feiras e institua um curso de Astronomia. Acobertarei o Colégio Allan Kardec sob o manto do meu Amor. – Maria, Serva do Senhor.”
Ao colocar o nome de Colégio Allan Kardec, Eurípedes caracterizou o colégio como uma Escola Espírita, ou seja, um espaço onde se estuda, aprende e vive os princípios da Doutrina Espírita.
A Casa Espírita representa hoje a Escola Espírita em toda a sua simplicidade, beleza e dinamismo espiritual, vivendo o amor, iluminando o coração e a mente das crianças, dos jovens, dos adultos e mesmo do Espírito desencarnado, pois somos todos, em essência, Espíritos em evolução.
O que é, pois, a Educação Espírita senão a ciência e arte da educação do Espírito, o processo através do qual se desenvolve o “germe” da perfeição no íntimo de cada um, Espíritos imortais que somos, filhos e herdeiros de Deus. É o desenvolvimento gradual e progressivo das potências da alma, através do exercício do amor e do “conhecimento de si mesmo”, que faz germinar essa essência Divina e dar os frutos do amor e da sabedoria.
É o retorno do amor e da verdade Universal ao cenário pedagógico da humanidade, através da coragem de expressar essa verdade sem preconceitos, sem meias verdades, como o fez Eurípedes Barsanulfo.
Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. A frase de Jesus ressoa ainda, ecoando através dos séculos de lutas em defesa dessa mesma verdade. O conhecimento da verdade universal, trazida até nós pelo Espírito de Verdade, é indispensável ao conhecimento de si mesmo e, portanto, ao desenvolvimento das qualidades interiores da alma, das potências do Espírito, a fim de adentrarmos nessa nova etapa evolutiva como um planeta de regeneração.
Não existe educação, em seu significado profundo, sem o exercício do amor e sem o conhecimento de si mesmo, ou seja, sem que o educando se reconheça como Espírito imortal, filho de Deus, dotado do germe da perfeição, sujeito às leis de causa e efeito e, portanto, responsável pelos seus pensamentos e atos, a nascer e renascer num aperfeiçoamento gradual, mas contínuo, rumo à perfeição.
Auxiliar o Espírito com a verdade absoluta de nossa existência espiritual é nossa tarefa prioritária no momento evolutivo que vivemos. É nosso compromisso com Jesus, com Kardec, com a plêiade dos Espíritos Superiores que dirigem nossa evolução e com nossa própria consciência.
A Educação Espírita ou, poderíamos dizer, a Pedagogia Espírita está presente hoje na mente e no coração dos educadores que enfrentam todos os preconceitos por amor à verdade, independentemente do título de professor, mestre ou doutor, que são resquícios da vaidade humana.
Está presente nos jovens e adultos que labutam na evangelização infantojuvenil, que palestram nas casas Espíritas, que participam nos grupos de estudos, das atividades assistenciais, exercitando e exemplificando o amor ao próximo. Está presente no jovem que atua no teatro, que canta e dança, fazendo da arte sublime escada de elevação do Espírito.
No entanto, é muito importante, imprescindível mesmo, abrir espaço para a participação das crianças e jovens nas demais atividades da Casa Espírita, compreendendo que são eles o futuro do Movimento Espírita em nosso planeta-escola, rumando hoje para se tornar amanhã um Mundo de Regeneração.
(Artigo extraído do Anuário Espírita 2017 – Ide Editora).