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Publicado em 3 de julho, 2021 | por Centro Paz e Amor

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Espiritismo, Machado de Assis e a Guerra do Paraguai

Por Elaine Maldonado.

O amigo leitor deve estar se perguntando por que estes três temas, aparentemente tão díspares, estão no título deste artigo. Explico: Machado de Assis, embora poucos saibam, foi um grande crítico do Espiritismo.

Vivendo no Rio de Janeiro do século XIX, o escritor foi testemunha da chegada da doutrina ao Brasil e de sua difusão e, como não poderia deixar de ser, escreveu sobre ela em suas crônicas nos jornais cariocas para os quais trabalhou.[i]

Machado de Assis foi um homem preocupado com as questões de seu tempo, nada lhe escapava. Em suas crônicas encontramos os mais variados temas: política, religião, economia, etc. Por isso, não surpreende que temas como espiritismo e Guerra do Paraguai façam parte do temário de suas crônicas. O que surpreende é a contemporaneidade de suas citações, pois o espiritismo foi citado pela primeira vez em uma crônica em 1865, ou seja, 10 anos antes de O Livro dos Espíritos, obra básica da doutrina, ter sido publicado no Brasil, e 18 anos antes da institucionalização da doutrina com a criação da FEB (Federação Espírita Brasileira) em 1883.

Quanto a Guerra do Paraguai (1864-1870), ela é considerada o conflito mais sangrento ocorrido na América do Sul no século XIX. A declaração de guerra ao Brasil e posteriormente à Argentina, feita pelo Paraguai de Solano Lopez, deu origem a um conflito sem precedentes na América do Sul e com conseqüências terríveis ao próprio Paraguai[ii].

Machado de Assis publica até o final da guerra em 1870, cerca de duas dezenas de crônicas, a maioria destas crônicas enaltece a bravura dos soldados, cita que o que está em jogo naquele momento é a honra nacional, entre outras expressões patrióticas.

Expressões como “o coração nacional não morreu”, “os atos de amor à Pátria” e “o valor do exército nacional” estão presentes em suas crônicas na mesma medida em que estão as expressões de repúdio e até mesmo ironia a Solano Lopez e aos soldados paraguaios.

No dia 3 de janeiro de 1865, diz Machado de Assis:

“Vinga-se atualmente no campo da ação a honra nacional. O valor do exército brasileiro não está fazendo as suas provas, já as fez; e já foi consagrado naquelas mesmas regiões… A consciência da justiça que anima nossos soldados , é já um penhor de vitória.” [iii]

Estas crônicas chamaram a atenção de um grupo de espíritas, ou de um espírita, que resolveu enviar ao escritor uma carta com o resultado de uma sessão.

No início de 1865, o escritor e jornalista Machado de Assis recebe, da parte de um espírita que ele não diz quem é, uma carta contendo previsões sobre a Guerra do Paraguai, previsões estas que teriam sido recebidas através de um médium durante sessão espírita.

No dia 21 de março do mesmo ano, ao comentar a assinatura do convênio de paz que colocava fim ao conflito armado em Montevidéu, Machado de Assis traz à tona as previsões recebidas por ele. E começa deixando claro que não acredita no espiritismo.

“Não sabemos se o leitor crê ou não crê no espiritualismo. Pela nossa parte, nunca prestamos fé a essas superstições, apesar de conhecermos algumas pessoas para quem o espiritualismo é uma verdade incontestável e uma ciência adquirida.Uma dessas pessoas, muito antes da notícia do convênio, remeteu-nos uma folha de papel, contendo o resultado de duas sessões de espiritualismo, nas quais algumas profecias foram feitas relativamente à guerra do Sul.”[iv] 

“Apesar de conhecermos algumas pessoas…” esta frase nos indica que em 1865 o espiritismo já era assunto conhecido na corte carioca e que havia pessoas que já declaravam-se abertamente espíritas. Também nos indica que Machado de Assis muito provavelmente sabia de quem se tratava, mas preferiu guardar para si o nome do remetente.

Quem seria o incógnito remetente das profecias? Ubiratan Machado, em seu livro “Os intelectuais e o Espiritismo” aponta duas personalidades possíveis: Casimir Lieutaud, que a exemplo de Machado de Assis, também freqüentava o Corrier du Brésil, ou o historiador Melo Moraes, que durante um tempo realizou sessões espíritas em sua casa.

Uma das possibilidades também e a de que Machado de Assis tenha travado conversações com espíritas na Livraria Garnier, que ficava ao lado do Jornal do Comércio e era ponto de encontro de intelectuais da época e onde ele costumava ir com regularidade. Em 1875 foi a Livraria Garnier que publicou a primeira edição de O Livro dos Espíritos.

Porém, mais importante que saber quem enviou tais previsões, é reconhecer que naquele momento, 10 anos antes da publicação de O Livro dos Espíritos no Brasil, os espíritas já se arriscavam a tornar públicas suas psicografias, o que mostra que o movimento espírita já não era tão recente assim.

A data de 1860 foi durante muito tempo convencionada como de início das atividades espíritas no Brasil, porém, novos estudos apontam para muito antes disso, uma vez que se considera o movimento da Homeopatia como porta de entrada dos fenômenos espíritas em nosso país.

No livro Memória Espírita, João Marcos Wegellin, coloca em dados cronológicos a história do espiritismo em nossas terras. Segundo o pesquisador, muito antes de 1865, já havia sido publicado no Brasil livros com preceitos espíritas.

O primeiro destes livros foi publicado pelo Marques de Maricá, em 1844, e embora não fosse assumidamente “espírita”, trazia temas como reencarnação, progresso espiritual, pluralidade dos mundos, entre outros que fazem parte da doutrina espírita. Este livro, sob o título de Obra completa, continha uma apanhado de Máximas, escritas pelo Marques de Maricá ao longo de anos.

Este livro não encontrou, ao que tudo indica, nenhuma receptividade na sociedade carioca, mas, serve para ilustrar como o tema já era debatido bem antes da data de 1860.

É claro que essas Máximas não tinham o rigor acadêmico da codificação de Kardec, mas é interessante notar que as idéias e preceitos começaram a ser divulgados muito antes das obras “oficiais” do espiritismo. E é óbvio que isso não foi privilégio do Brasil, em países como França e Estados Unidos, outras obras com esses temas também foram publicadas antes de Kardec, mas essa é uma questão que não cabe aqui.

Em 1860, Casimir Lieutaud, publica “Os Tempos são chegados” e “O Espiritismo na sua expressão mais simples”, primeiros livros em português de conteúdo declaradamente espírita. Se Machado de Assis e Casimir Lieutaud se conheciam do Corrier du Brésil, é bem provável que ele, Machado, tenha tido acesso às obras do amigo, e, embora diga não acreditar, já estava familiarizado com os preceitos e práticas da doutrina.

Não causa nenhum espanto, portanto, que Machado de Assis se refira ao espiritualismo (forma como o espiritismo era chamado no início) de forma tão trivial, embora nesta e em outras crônicas publicadas anos depois, faça questão de deixar claro que não acredita na nova “superstição” termo que ele usa para referir-se a doutrina.

E continua a crônica:

Uma dessas profecias dizia assim: ‘ Montevidéu começou a ser bombardeada no dia 9 do corrente mês; no dia 14 ainda se sustentava, apesar dos horríveis estragos sofridos; mas dentro de poucos dias se renderá.’

Daí a dias a notícia do célebre convênio de paz, com o qual só se bombardeou a dignidade nacional. Que fica do espiritualismo depois desse fato?

De ordinário devem se se recear os profetas e as profecias. Confessamos, porém, que se as profecias nos fizeram rir, diante dos acontecimentos posteriores, não nos rimos nós dos profetas, e eis aqui a razão.

A maior parte dos acontecimentos anunciados pelo espiritualismo não eram predições, eram induções. Quase todos eram a conseqüência provável dos fatos conhecidos (…)

Mas estará neste caso a seguinte profecia da mesma sessão: – ‘Caxias vai para o Paraguai?’ Limitamo-nos a este ponto de interrogação.

Isto é tudo o que Machado de Assis publica sobre o fato. A previsão de que o Duque de Caxias iria ao Paraguai, confirmou-se efetivamente, mas Machado de Assis nunca mais tocou neste assunto em sua coluna.

Posteriormente, quando as mesas girantes viraram febre na corte carioca, os jornais passam a publicar dezenas de matérias sobre o fenômeno, uns abertamente contra, outros sem manifestar sua opinião, apenas informando.

Machado de Assis parece não dar muita atenção a esses fenômenos, mas, a publicação desta crônica em 1865 nos mostra que o autor conhecia a nova doutrina, o que nos leva a crer que teve contato com seus preceitos antes do envio das previsões.

Após esse fato, porém, o escritor vai deixar por muito tempo o assunto espiritismo de lado, só retornando a ele em 1876 com a publicação, no Jornal das Famílias, do conto “Uma Visita de Alcibíades”, uma história com elementos declarada mente espíritas e recheada de críticas à doutrina, da qual falaremos em outra oportunidade.


[i] Trabalhei com este tema em minha dissertação de mestrado intitulada “Machado de Assis e o Espiritismo: diálogos machadianos com a doutrina de Allan Kardec”, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp073151.pdf

[ii] Para saber mais sobre a Guerra do Paraguai, acesse http://www.brasilescola.com/historiab/guerra-paraguai.htm

[iii] ASSIS, Machado. Obra Completa. Rio de Janeiro, Editora José Aguilar Ltda, 1959, vol.II, p.261.

[iv] Assis, Machado. Op.cit , p.333

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