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Publicado em 27 de novembro, 2022 | por Centro Paz e Amor

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A CULPA TÓXICA E O RANCOR

ALBERTO ALMEIDA  (www.albertoalmeida.net)

 

A CULPA TÓXICA E O RANCOR

Hipócrita! Retira primeiramente a viga do teu olho, e então verás (em profundidade) para retirar o cisco do olho do teu irmão[1]

A culpa e a mágoa são as duas faces que se contrapõem ao perdão.

Primariamente, o remorso é a agressividade dirigida a si mesmo; o rancor, ao outro.

O remorso fala de uma transgressão à lei divina observada quando se age em prejuízo do próximo ou de algo, gerando sofrimento ou desarmonia para fora de si, com igual reflexo para a própria consciência.

Em idênticas circunstâncias, em sentido contrário, sucede quando é o outro quem age lesando-nos, gerando sofrimento ou prejuízos para nós, podendo aí se instalar o rancor contra aquele que também violou a lei de amor.

O remédio é o autoperdão e o heteroperdão, respectivamente, para a culpabilidade e o ressentimento.

Quando o espírito se detém na culpa, ocorre a presença do remorso indesejável e nocivo àquele que o carrega, por se constituir em culpa tóxica.

A culpa só é desejável quando se apresenta como arrependimento, ou seja, o “cair em si”, o “dar-se conta de”, abrindo espaço para um novo movimento da alma em direção à ação reparadora.

Todavia, no extremo oposto ao cultivo tóxico da culpabilidade está a pessoa que não faz contato com a culpa, mesmo equivocando-se gravemente; não demonstra nenhum incômodo com seus erros, podendo, desse modo, estar revelando a presença de uma sociopatia* caracterizadora de um transtorno mental de alta complexidade.

*

 Reconcilia-te (…) depressa com teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que o adversário não te entregue ao Juiz, e o Juiz te entregue ao Oficial, e sejas lançado na prisão. Amem vos digo que de modo nenhum sairás dali até que restituas o último quadrante*[2] é a advertência de Jesus para os que desejam viver em harmonia, livres do peso amargo da culpa e/ou mágoa.

A sentença é de uma clareza meridiana. Divide-se em dois movimentos bem distintos.

*

 O primeiro movimento: Reconcilia-TE… É a parte que nos cabe, na medida em que desejamos seguir o caminho do perdão. É um apelo para que façamos a nossa parte, aquela que diz respeito somente a nós mesmos, independentemente do outro com quem conflitamos.

Esta etapa fala da nossa relação conosco mesmos, do trabalho interno à revelia do outro, que permanece apenas como espelho através do qual nos enxergamos; é fazer conosco aquilo que só nós podemos concretizar: o autoperdão.

Este caminho é individual, intransferível, inalienável*. É percorrido a despeito de nosso adversário tomar ciência ou não, concordar ou não, estar perto ou distante. Tudo só depende de nós. É trabalho de autorreconciliação, de autoamor, exigindo às vezes muito tempo para a construção do autoperdão* gerador de paz interior.

Portanto, é tratar o remorso e/ou rancor que pesadamente carregamos.

*

Ainda no primeiro movimento, aprofundando e visando a uma análise didática, foquemos, exclusivamente, a culpa.

A citação evangélica – Reconcilia-TE- revela que habitualmente cometemos erros (ensaios ao aprendizado), posto que o chamado não se restringe à conciliação, mas sim à reconciliação, caracterizando haver reincidência nos equívocos.

Importa saber se há limites para repetirmos os erros que terminam por nos imputar remorsos.

A resposta está na indagação de Pedro ao Cristo:

– Até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?[3]

Esta era a medida do seu limite para indultar alguém: sete. Mas como a verdade tem mão dupla, logo este também era o número de vezes que Pedro precisaria do perdão dos outros.

Simão, tomando a si mesmo como referência, estabeleceu que seria capaz de perdoar até sete vezes, como a sugerir, inconscientemente, que erraria no máximo até sete vezes, necessitando, portanto, de igual número de perdões dos outros e, por extensão, de autoperdões para concretizar o reconcilia-TE.

O Mestre, no entanto, demonstrou o quanto Pedro não se conhecia, pois que pretendia limites muito ousado para si mesmo. E faz uma nova proposta para a aritmética do perdão de Simão, assinalando:

– Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete[4].

E Jesus tinha razão, de vez que, somente na casa do sumo sacerdote, ele negaria o seu Mestre três vezes, sem falar dos momentos que antecederam o aprisionamento, quando ele dorme mais de uma vez no Monte das Oliveiras, e, ao despertar, fere a orelha do soldado que vem prender o Cristo, em frontal contradição aos ensinos de mansidão e brandura recebidos de Jesus.

Jesus, considerando a fragilidade dos seres humanos, aproveita a ocorrência com o discípulo para propor as setenta vezes sete, indicando a natureza recorrente de falibilidade que caracteriza a humanidade ainda em nível de evolução precária.

Igualmente, deixava implícito aos Pedros-humanos que não só precisaríamos perdoar setenta vezes sete, mas que, e, sobretudo, seríamos capazes de errar em igual montante[5], carecendo do perdão dos outros indefinidamente.

Desta fala de Jesus pode-se deduzir ainda outro ensinamento, num exame mais atento do dia a dia:

– Quantas vezes, pelo mesmo motivo, explodimos em cólera contra um ente querido, ficando, em seguida, carentes de repetidos perdões?

– Quantas crises mórbidas de ciúme, ferindo a pessoa amada, fazem-nos implorar por incontáveis desculpas?

– Quantos episódios repetidos de maus-tratos ao nosso corpo, pela ingestão de substâncias declaradamente nocivas fazem-nos pedir sucessivos perdões ao cérebro?

– Quantos vícios, afetando-nos a saúde pelos prejuízos ao equilíbrio biológico, fazem-nos reiterar súplicas de misericórdia ao corpo?

– Quantas encrencas por falta de camaradagem com colegas de trabalho impõem-nos renovados pedidos de desculpas?

Enfim, parece que precisamos de setenta vezes sete perdões para CADA UMA DAS ÁREAS FRÁGEIS da nossa vida, posto que incorremos NOS MESMOS ERROS, reeditamos os mesmos ensaios… até fazermos a fixação de um aprendizado.

Assim sendo, seja a culpa, seja a mágoa, o reconcilia-TE significa darmos conta da parte que nos compete num conflito, assumindo a responsabilidade pela cota que nos diz respeito; sem transferi-la ou delegá-la a ninguém, como é usual fazermos projetando* nossa encrenca sobre outras pessoas (adversário, pai, mãe, filho, amigo, etc.), ou sobre os astros, os espíritos, a má-sorte, ou, ainda, sobre a profissão, a cidade, Deus…

*

O segundo movimento: reconcilia-te… COM TEU ADVERSÁRIO.

Aqui entra em cena o outro pelo qual nos sentimos lesados (rancor), ou a quem lesamos (remorso).

O adversário pode ser alguém (cônjuge, pai, mãe, filho, família, sócio, vizinho, etc.), mas pode também ser algo (nosso corpo, um país, uma profissão, uma doutrina, etc.).

Neste momento, entra em jogo a relação com o adversário, ou seja, um contato com o outro. Requer, por isso mesmo, uma ação de busca do outro, a fim de se estabelecer a segunda etapa da reconciliação.

É desse modo que se cuidará da mágoa presente nas relações como uma energia agressivo-destrutiva, trazendo nomes e tons variados: raiva, ressentimento, ódio, cólera, etc.; ou, então, se tratará da culpabilidade que comparece com tonalidades conhecidas sob os nomes de remorso, pesar, compunção*, contrição, etc.

Aqui, precisamos de uma interação com aquele que ocupa a posição de adversário. É a ação de ir ao encontro do outro, precisando da sua participação e cumplicidade, para se efetivar o perdão total.

Naturalmente que o sucesso dessa busca, nesta etapa, depende também do outro, já que ele é chamado a participar ativamente da construção do perdão, “estendendo a mão”. É construção a dois, solidária, de parceria.

Se houver disponibilidade de ambos para uma aliança, um acordo, então se fará (enquanto estás a caminho) uma jornada de perdão, até que se conclua o desatamento dos nós do sofrimento, com a dissolução das mágoas/culpas e o (re)estabelecimento dos laços de harmonia e de paz.

Contudo, caso o outro protagonista rejeite o reencontro, evitando o contato por ainda não se encontrar receptivo à aproximação e à conciliação, sejamos aquele que guarda a consciência pacificada de quem, após se reconciliar consigo próprio, ousou ir ao encontro do seu irmão para efetivar o perdão, buscando o equacionamento justo da pendência.

Respeitemos, portanto, o arbítrio* do outro, quando este se decida a evitar o reencontro, seja qual for o motivo da sua recusa.  Como não nos compete violentar a vontade de ninguém, cabe, apenas, o silêncio de quem optou por fazer a sua parte, ficando em paz.

Logo, em fazendo o segundo movimento, nós nos libertamos do rancor e/ou do remorso, e concluímos internamente o perdão, com ou sem a participação do outro.

Assim procedendo, futuramente não será necessária a presença do juiz (a consciência), nem do oficial de justiça (os bons espíritos), tampouco da prisão (um novo corpo, uma nova reencarnação) para a solução das contendas que ficaram pelo caminho.

 ***

(Extraído do livro “O Perdão como Caminho” )

[1] Bíblia Sagrada, Mateus, capítulo 7, versículo 5.

[2] Bíblia Sagrada, Mateus, capítulo 5, versículos 24 e 25.

[3] Bíblia Sagrada, Mateus, capítulo 18, versículo 21.

[4] Bíblia Sagrada, Mateus, capítulo 18, versículo 22.

[5] O Consolador, resposta 338.

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